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A Contrarrevolução na URSS: entrevista com Aleka Papariga - PCB

 


A contrarrevolução na URSS: entrevista com Aleka Papariga

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Entrevista com Aleka Papariga, membra do CC do Partido Comunista da Grécia (KKE), ex-Secretária Geral do Partido de 1991 a 2013, ao jornal “Rizospastis” sobre a postura do KKE durante as investidas contrarrevolucionárias de 1990-91 na União Soviética. Publicada originalmente com o título: “A postura do KKE diante dos golpes de 1990-91 na URSS“.

Os partidos burgueses comemoraram quando a bandeira vermelha foi baixada do Kremlin. Quais foram suas principais declarações naquela época?

Eles confirmaram seu ódio e medo de classe para com a classe trabalhadora, para com a maioria da classe trabalhadora. Aparentemente, uma variedade de visões foi projetada, desde uma ampla celebração anticomunista até o desenvolvimento de uma reflexão supostamente séria sobre a dissolução da URSS. Argumentou-se que o capitalismo é o último e eterno sistema (explorador) e, portanto, as pessoas não têm razão para buscar uma nova sociedade sem a exploração do homem pelo homem.

Um grupo argumentou que o povo derrubou um sistema burocrático ditatorial cruel. Outra categoria argumentou que o socialismo “entrou em colapso” porque era uma utopia contraditória com a “natureza humana”. Ao mesmo tempo, todos eles asseguravam que a humanidade estava, agora, embarcando em um novo caminho, onde a guerra foi abolida, porque a militarização e a guerra foram supostamente provocadas pelo socialismo, que a paz supostamente venceria e as novas tecnologias inundariam todos os setores do bem-estar da humanidade e de direitos.

Imediatamente após a vitória da contrarrevolução e o consequente revés capitalista, um novo ciclo de guerras e intervenções imperialistas começou, enquanto o ciclo de crise econômica capitalista irrompeu em maior sincronização, abrangendo um número significativo de estados capitalistas e até mesmo os mais poderosos. Uma nova rodada de contradições e competições inter-imperialistas foi desenvolvida, ainda mais crua e dura, sobre quem penetraria nos novos mercados capitalistas. Houve mudanças de fronteiras, divisões de estados, anexações, conflitos étnicos armados, tudo o que vivemos hoje.

Nem é preciso dizer que as conquistas sociais promovidas pelo povo dos países socialistas começaram a se desintegrar até sua derrubada completa. Lembramos a onda de centenas de milhares de imigrantes da URSS e dos ex-Estados europeus socialistas. Dramáticas, diretas e indiretas foram as consequências na vida das pessoas na Europa capitalista. Nenhuma das previsões feitas foi confirmada; em vez disso, o capitalismo desceu novas escadas de barbárie.

O “Rizospastis” teve como primeira página com os dizeres “A esperança reside na luta do povo” e o slogan “Camaradas, MANTENHAM A BANDEIRA ALTA”. Que fatores determinaram a postura do KKE naquele momento crítico?

Não foi uma reação emocional, defensiva ao que nos magoou profundamente. Acreditava-se que essa pesada derrota não levaria à abolição da evolução social e à estagnação eterna. O slogan inicial, ainda que como semente de consciência, era a crença de que o reagrupamento do KKE se consolidaria no processo de restauração de seu caráter revolucionário, o que exigia também o restabelecimento da própria relação com a teoria, o estudo científico e contínuo da desenvolvimentos, de modo que as conclusões enriquecem a teoria.

Um dos primeiros passos obrigatórios foi o estudo dos rumos da construção socialista e da estratégia do Partido. Naquela época não era fácil ter plena consciência do conteúdo deste estudo, muito menos não precisávamos predeterminar as conclusões.

Poucos dias antes, foram concluídos os trabalhos do extraordinário 14º Congresso do KKE (18-21 de dezembro de 1991), fechando a porta à profunda crise que o Partido viveu durante três anos, sendo a questão se o KKE iria ou não continuar seu curso independente uma vanguarda consciente e organizada da classe trabalhadora que luta pelo socialismo ou se transformaria em um partido social-democrata, primeiro como uma tendência da “Coalizão de Esquerda e Progresso” e depois se um novo polo social-democrata seria formado, ao lado de seções do PASOK, como alguns esperavam. O slogan da primeira página do “Rizospastis” foi o nosso contra-ataque.

Um duro combate precedeu nas fileiras do KKE, culminando no 13º Congresso do Partido. Onde estava focada a polêmica sobre a política da Perestroika?

Tinha a ver com o caráter do Partido, sua independência político-ideológica e organizacional. Parte integrante disso foi a postura em relação à Perestroika, nossa percepção do socialismo. É claro que a semente da crise interna do partido não nasceu por causa da Perestroika, mas já existia de forma latente há vários anos, especialmente após a ascensão do PASOK ao poder. A Perestroika levou ao aprofundamento e intensificação da luta partidária interna, que não pôde ser resolvida com a realização do Congresso e principalmente nas condições em que o 13º Congresso foi preparado.

O problema não era apenas a formação de duas visões político-ideológicas basicamente opostas, mas também os princípios do Partido. A estratégia errada do Partido estava na base da crise interna do KKE, que obviamente não era uma peculiaridade grega, mas não deixou de ser nossa responsabilidade.

O grupo oportunista utilizou a Perestroika e o ataque burguês anti-KKE, apoiando um “socialismo do tipo PASOK”, anulando completamente ou minimizando a grande contribuição do socialismo no século XX não só para os povos desses países, mas também em todo o mundo.

Inicialmente, o Comitê Central elaborou um texto sobre a Perestroika que foi discutido dentro do partido, a partir do final de 1989. O CC considerou que a Perestroika era uma “revolução dentro da revolução” e que “contribui para o desenvolvimento de mais democracia e socialismo”. Que “poderia influenciar estados e organizações sociais, movimentos, pessoas, a um novo começo, com as principais características de segurança mútua e coletiva, o distanciamento da lógica do poder militar, a superação gradativa da divisão em duas coalizões militares, o desengajamento da busca de armamentos… Que “há forças de reação e atrasos movendo-se em todo o mundo para impedir este curso, para colher benefícios unilaterais e para fortalecer seus objetivos imperialistas”.

A oposição irreconciliável entre capitalismo e socialismo, o caráter da guerra imperialista e a postura dos comunistas em relação a ela foram erroneamente postas de lado e degradadas. Seu lugar foi ocupado pela inexistente divisão entre estados que poderiam adotar uma nova ideia e forças de estado reacionárias e retrógradas. O texto do CC considerou também que na “agenda” dos países socialistas estava “a promoção de reformas radicais do sistema administrativo-burocrático” e a “transição do socialismo para uma nova etapa”.

No caminho, das Organizações de Base do Partido (PBOs em inglês) ao CC, um número significativo de membros e quadros tomou conhecimento dos perigos que a Perestroika representava. No entanto, nos documentos do 13º Congresso foi expressa uma posição muito conveniente – especialmente para os oportunistas – de que a concepção geral da Perestroika em 85 era correta, que suas “ideias poderiam ser uma contribuição significativa para o movimento socialista e comunista”. Que a Perestroika “não se realizou como fora iniciada”.

Então, você entende que por mais consciente e militante que fosse a luta contra o oportunismo, ela não estava alicerçada em bases sólidas. Claro, se essa luta não tivesse acontecido, o resultado do 13º Congresso teria sido totalmente negativo. Após o 14º Congresso, iniciou-se o processo de estudo dos rumos da construção socialista, partindo da relação dialética entre economia e política, desde o período da vitória do poder operário até a contrarrevolução.

De que ponto de vista foi a situação na União Soviética criticada pela corrente do eurocomunismo e do “KKE Interior” na Grécia nas décadas anteriores?

O eurocomunismo e o “KKE Interior”, em última análise, expressaram tanto em teoria, como em estratégia, os interesses do capital no seio do movimento operário, apoiando uma ou outra forma da sua suposta gestão justa. Portanto, eles não puderam avaliar objetivamente a contribuição do socialismo do século XX e destacar as reais falhas, erros, desvios.

A sua percepção geral era perigosa para o movimento operário popular, não só na luta pelo socialismo em geral, mas também na luta pela repulsa das medidas anti-operárias e anti-povo, na luta contra a guerra imperialista. Mesmo apoiando as lutas populares procuraram integrá-las às reivindicações reformistas e sindicalistas, promovendo em todos os sentidos a linha da “reforma do sistema” e o consenso na estratégia burguesa.

O ponto culminante foi a participação dos Partidos Comunistas nos governos burgueses e a enganosa teoria para o capitalismo pacífico e humano, que o SYRIZA lançou com o slogan “o homem acima dos lucros”. Eles, portanto, caminham lado a lado com o ataque burguês contra o poder da classe trabalhadora, defendendo a coexistência de múltiplas formas de propriedade sob o socialismo, isto é, os capitalistas. Na verdade, eles identificaram as múltiplas formas de propriedade com liberdade e democracia, enquanto durante o período de intervenções imperialistas alguns partidos comunistas apoiaram os interesses da classe burguesa de seus países.

Depois dos golpes, o KKE iniciou um doloroso esforço de autocrítica da experiência internacional e nacional, que ainda continua. Quais são seus principais marcos?

O pensamento “doloroso” não era que tínhamos que estudar nossa teoria repetidamente, reunir todos os trabalhos-estudos que haviam sido feitos, estudar milhares de materiais dos arquivos (por exemplo, da ex-URSS) e traduzi-los, à parte nosso próprio arquivo volumoso enquanto ao mesmo tempo o Partido entrava em um, mais ou menos, longo curso de reagrupamento. O pensamento “doloroso” se deu, especialmente no início e até certo ponto no processo, conforme estudávamos questões sérias enquanto as contradições e percepções da estratégia errada do Partido ainda sobreviviam em nossa mente.

O curso do estudo desempenhou um papel importante no processo de restauração do caráter revolucionário do Partido. A questão foi julgada não apenas no nível de formulação dos princípios gerais, mas principalmente em como seu conteúdo é compreendido e como os princípios fundamentais são promovidos em um curso de desenvolvimentos socioeconômicos e políticos, onde antigos fenômenos aparecem em novas formas, ou até mesmo alguns novos.

Os marcos principais foram as primeiras conclusões emitidas em 1995, também em 2009 com o 18º Congresso que surgiu com o texto “Avaliações e conclusões sobre a construção socialista durante o século XX, com foco na URSS”. Um marco também foi o ano de 2011, com a publicação do Ensaio sobre a História do KKE e do movimento operário no período 1940-1967. O estudo da superestrutura na URSS começou e continua, enquanto nós iniciamos o estudo da transição para o socialismo na RDA, Hungria, Tchecoslováquia, Bulgária e no curso isso será expandido.

Há vários anos, estudos traduzidos de cientistas soviéticos, alemães e outros cientistas comunistas têm sido frequentemente publicados na KOMEP (Revista Comunista), iluminando assim aspectos da construção socialista, enquanto materiais de arquivo e elaborações dos Departamentos do Comitê Central ou quadros do Partido são publicados. As publicações também são feitas pela KNE.

Ainda temos muito trabalho a fazer, com base nas importantes Decisões do 20º e do recente 21º Congresso. O trabalho de investigação sobre as problemáticas da construção socialista é uma das condições prévias para respondermos à nossa luta cotidiana pelas questões operárias, a caminho da vitória, pelo socialismo.

Não é perigoso que o exame crítico dos problemas da construção socialista pelo KKE seja explorado pelo ataque ideológico burguês de antissovietismo e anticomunismo?

Já há evidências de que não corremos perigo, nem haverá no futuro. O oposto aconteceu. O oponente de classe não só não se atreveu a usar nossa crítica, mas, ao contrário, escondeu sua essência e propósito. Desde a primeira etapa tivemos uma válvula de segurança, de que nosso próprio estudo não poderia ser feito e, muito mais, ao contrário de nossa teoria, nem havia razão para questionar a oferta do socialismo e suas conquistas na vida dos povos trabalhadores.

No estudo da construção socialista, tínhamos como critério que o socialismo é uma etapa imperfeita da sociedade comunista, pois a melhoria contínua da vida das pessoas, o fortalecimento do controle social operário e da gestão, o planejamento científico central, baseiam-se na generalização e aprofundamento da apropriação social dos meios de produção, como processo de aproximação à sociedade comunista.

A entrevista foi publicada originalmente na edição de fim de semana do Rizospastis (18-19 de dezembro de 2021). Tradução para o inglês de Nikos Mottas e para o português por Marcelo Bamonte.

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